Dez pras onze da manhã. Despedimos de todo o pessoal e tomamos rumo até a BR-101. A idéia era andar o máximo possível em sentido ao Rio, mas parando em alguma cidade pelo caminho pra não arriscar chegar lá escurecendo. Cautela razoável para rio-fóbicos como nós.

A situação da rodovia era razoável, com alguns buracos espalhados e tráfego médio, porém, eventualmente apareciam crateras do nada, exigindo mais da nossa concentração. A paisagem é muito bonita, mesclando campos com montanhas. Uma delas, a do Frade e a Freira, chamou muita minha atenção pela seu formato peculiar.

Nem 100km rodados e tivemos um lance desagradável. O peito de aço da moto do Thiago soltou depois de uma lombada. O encaixe lateral havia quebrado e estava pendurado apenas por um parafuso. Depois de guardar a peça no alforge e constatar que o radiador não estava bem seguro por causa de um parafuso que caiu, aproveitamos para almoçar logo em seguida, onde foi feito um reparo rápido com arame arrancado de um motor de brasília, gentilmente cedido pelo seu prestativo proprietário. Não tenho certeza, acho que o nome do lugar é Restaurante do Motorista, mas lembro bem do suco de laranja, pois estava delicioso. Fica uns 56kms antes da divisa entre estados.

Montanhas e campos frequentes na
paisagem Divisa ES/RJ,
acreditem... Bye bye, peito de
aço
Com quatro horas de viagem chegamos em Campos dos Goitacazes/RJ, cidade cortada pelo barrento rio Paraíba do Sul que, devido ao flagelo das chuvas de verão, tragou uma das principais pontes da cidade. O negócio foi cruzá-lo por outro lugar e andar pelo meio da cidade até encontrar o acesso à BR. Um motoboy gentilmente nos guiou por bons atalhos até a entrada para a rodovia, onde abastecemos e continuamos a viagem.

Ponte quebrada sendo
reconstruída
Fizemos quase 200km em duas horas e meia de viagem, minha moto chegou a entrar na reserva uns dez quilômetros antes de abastecer em Rio Bonito/RJ. Nesse ponto percebemos o sol ainda alto no céu e concordamos que seria possível chegar na capital do estado antes dele se pôr. Não tenho certeza se foi antes ou depois disso, mas mais uma cratera surpresa cuspida no momento de ultrapassagem acabou entortando um pouco o aro dianteiro do Thiago.

Agora peço licença da narrativa pra citar uma curiosidade. É um pouco preconceituoso da minha parte querer criar estereótipos dos motoristas de cada região, mas não acho que deixe de ser interessante, portanto, citá-los-ei. :-P

No norte e nordeste, o fluxo de trânsito é menor, porém dá pra perceber algumas características similares. Lá predomina o estilo barqueiro de direção, onde o veículo acompanha a maré (imaginada pelo motorista, cruzando ciclicamente de um lado a outro da pista) e constantemente repousa no leito (centro) da via. Se não for um Eco Sport, há certo respeito por motos, quando percebidas (ponto positivo pra quem tem escapamento barulhento, diferente do meu).

Em Minas Gerais conheci os motoristas mais suicidas. Todo mundo deve achar que é piloto, tipo o Nigel Mansel, com apego ao traçado mais tangente e tudo o mais. Fazem ultrapassagens passando raspando e escolhendo pontos estratégicos, como início e meio de curvas. Não sendo um Eco Sport, ainda há um certo respeito por motos.

Já os cariocas tem o costume esquisito de trafegar pelo acostamento. Fila na frente? Sem problema, mermão, toca pelo lado! Veículo lento? Já era, malandro, o acostamento tá vazio mesmo! Perigoso demais. Um celtinha vermelho que andava mais ou menos junto da gente fez isso várias vezes, uma delas a mais de 100km/h. Abusado demais... Ah, moto pros cariocas é um empecilho viário que deve ser jogado pro acostamento (lugar perigoso, já que também é usado pra ultrapassagens) caso não ceda voluntariamente seu lugar na rodovia. Isso me fez pensar seriamente em botar uns espetos na lateral da minha moto, ou comprar uma bota bem feia e cheia de espinhos.

Bom, voltando agora a narrativa principal. Com a rodovia já em seu trecho duplicado, não demorou muito pra chegarmos em Niterói e, consequentemente, na famosa ponte que a liga ao Rio. Como o pedágio é cobrado somente no sentido contrário, seguimos desimpedidos sobre toda sua extensão, admirando a baía de Guanabara à direita e os vários cartões postais que despontavam à esquerda. Esquisito, tive a impressão de ter visto o Cristo Redentor tampar os olhos com uma das mãos no momento que atravessávamos a ponte... Aproveitei a parada do Thiago conferindo o radiador pra tirar algumas fotos.

Consegue ver o
Cristo? Orla
urbanizada

Sentido
Rio Sentido
Niterói

Depois de rodear o terminal rodoviário a toa, acertamos o caminho pra Vila Isabel com a ajuda de um frentista e, mais tarde, de um taxista. Não demorou muito pra encontrarmos o caminho pro Maracanã, passar no meio da torcida que se preparava pro jogo da libertadores na mesma noite e seguirmos as placas indicativas levando até a avenida 28 de setembro, uma das principais do bairro. Ainda não descobri se o nome dessa avenida é realmente por causa do meu aniversário ou se aconteceu alguma coisa mais importante que isso enquanto estive fora daqui.

Chegando perto do Petisco da Vila e sabendo o quanto cariocas gostam de zuar, prometemos nem pensar em ligar pro nosso amigo e ex-gerente Barbeita pedindo orientações. Conseguimos encontrar o local na boa, mas não sem antes passar na porta dos fundos do Morro do Macaco. Acho que se um carinha pulasse na frente da moto nessa hora, teria gritado "pode levar, aqui estão as chaves". Depois de quase cortar uma lombada no meio, comecei a perceber que o negócio nem era tão barra pesada quanto imaginei.

As 20hs da noite, 499kms depois de Guarapari e com as cuecas intactas por muito pouco já chamávamos o Barbeita no interfone e seguíamos para um agradável descanso.

Endereço do
Barbeita



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